domingo

Oitavo


Costumava falar sobre um oitavo sentido e de acontecimentos que até Deus duvida. Morava no oitavo andar desde 2009. Teve sete namoradas "pra casar", tinha sete encontros antes de se envolver e começava a semana a partir do segundo dia, transformando o domingo num dia fake, o famosos oitavo dia. E pra ele, oito merecia comemoração.

Neste domingo não foi diferente, mas com algo maior, era o dia D do apartamento, completavam oito anos juntos, o lar, o emprego e seus amigos. Exceto uma prima de alguém, que veio sem ser convidada e correu para ao banheiro, nem conseguiu ver seu rosto. Isso o incomodava muito, porque uma das únicas coisas que lhe deixavam meio tenso, era justamente a confirmação do seu oitavo sentido.

Dizia que lutava contra o destino, pois achava que nem tudo deveria ser previsto. Possuía vários oráculos e trabalhava tão bem com eles, que poderia deixar de trabalhar na empresa quando bem quisesse. Mas, às vezes, ignorava conselhos do seu tutor e deixava de olhar as jogadas das peças no tabuleiro, pensando mais em apreciar as habilidades dos outros jogadores do que ganhar. Havia beleza nisso, apreciar o outro e notar os detalhes, pois tudo era aprendizado, um ganho maior do que se pode imaginar.

Mas havia algo mais que o deixava nervoso e nunca encontrou explicações, borboletas. Mesmo algo dizendo que um dia, por enfrentamento ou não, isso sumiria num passe de mágica. Por conta disso, as janelas eram teladas e havia uma segunda porta de segurança na entrada, não havia temor verdadeiro, apenas algo que ele sentia como se levasse seu oitavo sentido embora, lhe causando, literalmente, um efeito borboleta.

Qual não foi sua surpresa, quando ao virar para cumprimentar a prima de seu amigo, viu uma borboleta na janela. Naqueles segundos que levou na direção dela, o universo tornou-se caos. Nada mais era previsível, sentiu-se o Flash, todos pareciam congelados, menos a prima do amigo que o olhava diferente, não tanto quanto ele, que a olhava como se nunca tivesse visto algo tão belo na vida. Ignorando as regras de uma vida inteira, cumprimentou-a com um beijo na boca, retribuído calorosamente.

Logo após o beijo e em meio a aplausos, assovios e gritos de mais um, ela riu e disse:

- Parece que fizemos sucesso, há até uma borboleta no seu ombro.

- Tudo bem, elas sempre abalam meu mundo, mas na vida tudo tem um porquê. Mas você já sabe meu nome e o seu?

- Acredito muito nisso e nesse momento, nada faria mais sentido. Prazer, Vanessa!


Joakim Antonio


Imagem: Cramer's Eighty-eight (Diaethria clymena) by X-Alex

sábado

Sétimo


Me olhou sem pressa. Fora da correria que o criar dos dias traz. O sol o iluminou e no sétimo dia, descansou...

Joakim Antonio



Imagem: Gato em paz by JoaKim

sexta-feira

Sexto



Tinha o sexto sentido tão apurado, que via as mentiras de longe, fugindo do que lhe causaria dor. Ao mesmo tempo, esse sentido a corroía, pois mentia a seus amores. Dizia aos pássaros não haver sementes, para poder semear o nascer da flor.


Joakim Antonio




Imagem: Riots of the sixth sense by Mumbojumbo89

quinta-feira

Quinto


Havia cinco pássaros na cerca. Pelo jeito, hoje era dia de visita e pela primeira vez, tentei me aproximar com alpiste nas mãos. O primeiro saiu em disparada, já o segundo se mexia sem parar e depois de mais um passo, também  fugiu. O terceiro e o quarto, o casal namorador, demoraram um pouquinho mais pra sair, o que é compreensível, já que estava tão bom. O quinto me encarou e nem se mexeu, então andei mais um pouco e sentei no quintal. Estiquei a mão e esperei que sumisse no ar. No entanto, ele deu um salto e parou ao longe, mas já no chão e depois de um tempo, tomou coragem e veio comer direto na minha mão. Depois de satisfeito, saiu e ficou dando rasantes e piando alto,  antes de desaparecer no ar.

Fiquei ali mais um tempo, pensando em quantas barreiras temos que ultrapassar, para conseguir o que desejamos. E por mais que observemos o terreno, tenhamos um mapa e um bom plano. Ainda assim, precisamos de coragem para andar em frente, em vez de apenas agir como outros, que nem ao menos tentaram.

Mas se pensarmos que sempre usamos a metáfora de voar além.

Foi dia de lição do pássaro.


Joakim Antonio


(só achei uma imagem com cinco deles sobre a cerca, em casa eles já chegam pousando no chão e hoje, o quinto trouxe mais sete com ele)



Imagem: Five in a Row by Thrumyeye

quarta-feira

Quarto


Quem olhasse, veria apenas um quarto comum, mas não. Era uma máquina do tempo, um catalizador da imaginação. Em vez de cama, um tapete mágico e o que parecia um abajur, era o sol do seu universo, feito de prosa e verso, alimentando átomos de ideias e tornando vívidas suas criações.

Vez ou outra, alguma visita, prestando atenção nos detalhes, dizia, "Bonito seu quarto de leitura!". E ela sempre respondia marotamente, com um sorriso que todo leitor, cúmplice, conhece bem:

- Quarto? Ah, você quer dizer a minha Tardis, igual a do Doutor! - e ficava esperando a contra senha.

Os mais espertos sempre respondiam:

- Doutor quem?


Joakim Antonio


Imagem: Books by Huda2013

terça-feira

Terço


- Que legal a sua guia!

- Guia não, é um terço. Muito diferente da sua guia.

- Sério? Sempre achei que era igual. Então ele não serve pra te proteger do mal quando junto do corpo, nem pra rezar com ele nas mãos, junto ao peito. Não serve nem pra pensar em Deus, ao olhar pra ele, tampouco pra dar firmeza ao usá-lo, dentro e fora do templo. Seu terço é só uma bijuteria de enfeite, sem depositar nele fé, nem sentimento e se ele estoura num momento de perigo, você não agradece aos céus, por ter lhe protegido? Se for assim é bem diferente mesmo de uma guia.

- Pensando bem, é igual sim, mas quem me guia é Deus!

- A todos nós meu irmão, a todos nós.

- Amém!

- Assim é!


Joakim Antonio


Imagem: Chaplet by Lady Maniek

segunda-feira

Segundo




A caminhada foi intensa. Mesmo assim, parecia não chegar nunca ao local escolhido. Talvez pela falta d'água ou como dizia o velho, fosse culpa do calor na moleira, cozinhando os miolos e matando os bons pensamentos. Não importa, por dias acreditou no novo e há pouco, pensou que o presente não lhe era mais favorável. Olhou para o relógio, que ajudava a manter a sanidade, controlando os dias vividos. Sem titubear, arrancou-o do braço e jogou o mais longe possível, gritando a algo ausente, que pegasse de volta o que lhe deu. De repente, o presente parou no ar, encarando-o de frente e a voz de um menino soou no seu ouvido.

- Agora é o Tempo, ainda falta um segundo pro infinito.

Joakim Antonio



Imagem: By Greg Rakozy
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